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Na etiqueta vermelha está escrito em braile a palavra: preto |
CLÁUDIA COLLUCCI da Folha de S.Paulo
Rodrigo Paiva/Folha Imagem
A briga dos deficientes por espaço nas escolas e no mercado de trabalho resultou em leis e campanhas de inclusão. Agora, outro mundo em que eles enfrentam dificuldades começa a se adaptar: o da moda. Roupas especiais, com etiquetas em braile que indicam a cor e velcros em vez de zíper e botões, chegam ao mercado, o que eleva a autonomia e a auto-estima de deficientes físicos e visuais.A idéia dos estilistas é produzir peças que reúnam conforto, beleza e praticidade, conceitos distantes dos portadores de deficiência.
Paulo Graça, 23, mostra etiqueta em braile na camiseta. Os cadeirantes, por exemplo, costumam usar roupas muito largas, com numeração até três vezes maior, para liberar o movimento. Já entre deficientes visuais o problema é a combinação de cores, dificilmente acertada sem ajuda. Na Reatech - Feira Internacional de Tecnologias para Deficientes que reuniu 30 mil pessoas, prevaleceram nos desfiles de moda cores, texturas, cortes e acabamentos desenvolvidos para esse público. Com elástico na cintura, em vez de cós e botões, e velcro no lugar do zíper, as peças são colocadas e retiradas com muito mais facilidade. Mas as roupas inclusivas têm características que vão além do que os olhos vêem, diz a professora de moda Maria de Fátima Grave, criadora do desfile em parceria com a Fundação Selma (Centro de Reabilitação Física e Social). Há seis anos, ela e seus alunos da universidade Anhembi Morumbi estudam as deformações e compensações necessárias. "Observamos as alterações dos planos e eixos do corpo e a atividade do grupo muscular. É preciso ter liberdade de atrito entre as linhas dos recortes, a costura e o corpo e liberdade em vestir e despir", diz.
"Infelizmente o mercado da moda ainda deve qualidade."Em geral, as roupas são inadequadas, com costuras grosseiras e tecidos que agridem a pele. Com a perda de sensibilidade, ele só percebe o dano quando surgem a vermelhidão e as feridas."Se a roupa estiver inadequada, vai irritar, machucar. E um deficiente pode demorar 20 minutos para abotoar uma camisa. O velcro, por exemplo, facilita isso."A professora começou a pesquisar o tema ao ser procurada pela mãe de um bebê com hidrocefalia --doença que leva ao aumento do crânio. Ela não conseguia achar uma roupa que passasse pela cabeça da criança. "Aquilo me comoveu muito. Por mais breve que seja a vida, deve haver dignidade."Já o estilista mineiro Geraldo Lima desenvolve roupas para serem "enxergadas" pelos deficientes visuais, com estampas texturizadas e etiquetas em braile que indicam a cor. Neste ano, a novidade são tecidos com relevos em borracha, silicone e veludo, o que permite ao cliente "sentir" o que escolhe.Para Luiz Eduardo da Cruz Carvalho, um dos organizadores da Reatech, a indústria acordará para o potencial desse público, que representa hoje 15% da população brasileira (cerca de 28 milhões de pessoas). Um primeiro passo, avalia, deveria ser dado pelas lojas, que ainda não dispõem de provadores adaptados.Vítima de três tiros em 1995, dez dias antes de fazer 27 anos, o administrador de empresas Paulo José Licciardi critica os provadores. "Eu ainda necessito da ajuda da minha mãe. Quem precisa de cadeira de rodas, por exemplo, não consegue nem entrar."Ele teve perda de massa encefálica e chegou a ter a previsão de que viveria em estado vegetativo. Quatro cirurgias depois, tem dificuldade de movimento na parte esquerda do corpo -- usa bengala.
Já o assistente técnico de softwares Paulo Henrique Graça, 23, deficiente visual desde os quatro e cego aos 15 anos, cobra informações sobre as estampas das camisetas de bandas de rock. "Perguntei uma vez a uma moça na loja o que tinha no desenho. Ela só respondia: "Pode levar, é bonita"."