segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Casal de brasileiros cria modelo original de atendimento ao autismo

Argerimo Garcia e Mariene Maciel, autores do livro ‘Brincanto: autismo tamanho família’, e o filho deles, Gabriel
Argerimo Garcia e Mariene Maciel, autores do livro ‘Brincanto: autismo tamanho família’, e o filho deles, Gabriel Foto: Divulgação/Gabriela de Paula
Luiz Fernando Vianna - O Globo

A cearense Fátima Dourado e o casal baiano Argemiro de Paula Garcia Filho e Mariene Martins Maciel se tornaram referência para pais de autistas de todo o Brasil. Depois que tiveram filhos com autismo, mergulharam em estudos sobre o assunto e criaram modelos originais de atendimento a pessoas que têm a síndrome — de fundo genético e caracterizada por dificuldades de comunicação, socialização e comportamento, atingindo cerca de 1% da população mundial.

Os modelos são explicados em dois livros que estão sendo lançados: “Autismo e cérebro social” (editora Premius), de Fátima, e “Brincanto: Autismo tamanho família” (Scortecci), de Argemiro e Mariene. Dois dos cinco filhos de sangue (há uma adotiva) de Fátima têm autismo. A médica inicia seu livro com um relato das angústias que passou com Giordano e Pablo, que estão hoje, respectivamente, com 32 e 28 anos, o que significa dizer que nasceram numa época em que a circulação de informações sobre o autismo era muito menor no Brasil. Em 1993, depois que Giordano foi afastado da escola onde estudava, Fátima criou com outras mães a Casa da Esperança, que atualmente cuida de 400 pessoas oriundas de todo o país.

— A Casa da Esperança foi a saída que encontrei para a total ausência de locais que recebessem meus filhos. As escolas não aceitavam crianças com autismo e não existiam profissionais preparados para o diagnóstico e o tratamento — conta Fátima, assinalando que a situação ainda não mudou no país tanto quanto deveria. — Infelizmente, a grande maioria das crianças e dos adultos não recebe tratamento adequado. O diagnóstico precoce e a intervenção correta podem mudar drasticamente o destino de uma criança com autismo. Geralmente elas precisam de fonoaudiologia, terapia ocupacional, terapia comportamental e acompanhamento médico. É fundamental, ainda, o acompanhamento especializado para que essa criança possa não apenas ser incluída, mas também permanecer na escola.
Há duas linhas gerais de tratamento: a comportamentalista, que procura treiná-los para que vivam em sociedade; e a relacional, que engloba terapias que apostam em caminhos mais lúdicos. Fátima e seu segundo marido, o psicólogo Alexandre Costa e Silva, sempre aplicaram elementos das duas linhas em suas experiências concretas. Em 2006, viram que o seu modelo multidisciplinar de atuação era semelhante ao Scerts (sigla para Social Communication Emotional Regulation Transactional Support), desenvolvido nos Estados Unidos.

— O Scerts é um meio termo entre abordagens muito prescritivas, que não deixam margem para que o indivíduo com autismo possa exercitar sua individualidade, e as muito facilitadoras — resume Fátima, ressaltando a importância de trabalhar desde cedo as questões comportamentais. — Os problemas de comportamento são as principais causas de afastamento de pessoas com autismo dos mundos da escola, do trabalho e das próprias famílias. Ensinar as crianças a se regularem emocionalmente é um importante passo para a sua inclusão na vida familiar e na comunitária.

Argemiro é geólogo e Mariene, jornalista. Depois que Gabriel, que hoje tem 19 anos, foi diagnosticado com autismo, eles correram para estudar o que estivesse ao alcance. Mas a intuição também teve papel decisivo.

— A cultura interiorana de Mariene era das crianças convivendo intensamente, brincando, aprendendo umas com as outras, as maiores cuidando das menores. Ela fez com Gabriel o que trazia de sua infância, brincando e cantando com ele e, também, trazendo-o para as atividades diárias, como lavar roupa e cozinhar — conta Argemiro, que coordena uma lista de discussão sobre autismo na internet.

Em 2003, a psicóloga brasileira Vera Juhlin, que vive na Suécia, sugeriu que o casal escrevesse um artigo sobre o que ela chamou de “jeito brasileiro de trabalhar com autistas”. Ele saiu no ano seguinte e deu partida na consolidação do modelo Brincanto. Mariene, então, já tinha estudado psicopedagogia. Ela trabalha em Salvador com pessoas que têm autismo, sobretudo de famílias carentes, experiência que relata no livro.

— O Brincanto é uma abordagem que explora os aspectos lúdicos para desenvolver a criança de acordo com o jeito de ser e os valores de sua família e sociedade. Brincando e cantando, a criança autista tem a possibilidade de construir sua própria compreensão do mundo — afirma Argemiro.

Ele, Mariene e Fátima são ferrenhos defensores da ideia que, ao menos em parte do dia, crianças com autismo precisam estudar em escolas regulares. Instituições que recusem essas crianças devem sofrer algum tipo de punição, argumentam. Uma política nacional para o autismo — até hoje inexistente — passaria por capacitar profissionais de educação e saúde, além de criar centros de referência em todos os Estados.


Fonte:  http://extra.globo.com

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