quinta-feira, 14 de junho de 2012

Deficiente visual ganha isenção na compra de carro



Por Jomar Martins
O fisco estadual não pode negar isenção de impostos para deficiente visual na compra de um carro. Neste caso, a norma tributária pode sofrer interpretação extensiva, a fim de satisfazer o preceito constitucional da inclusão social. Foi o que decidiu a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao confirmar os termos da sentença da pela juíza Alessandra Abrão Bertoluci em favor de Paulo Roberto Rukatti Lumertz. A decisão da maioria dos desembargadores é de 25 de abril.
O autor havia ajuizado Ação Declaratória de Isenção de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) contra o fisco do Estado do Rio Grande do Sul, para poder efetivar a compra de um veículo 0km. Alegou que é portador de deficiência visual.
De acordo com a inicial, afirmou ser portador de graves sequelas de deslocamento de retina em seu olho esquerdo, onde percebe vultos, e é portador de cegueira total no olho direito, sem percepção luminosa. Em função da deficiência, não pode se deslocar a pé em seus diversos compromissos, necessitando de um carro — que será dirigido por uma terceira pessoa. Destacou, ainda, que já teve reconhecido o direito à isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) no âmbito do fisco federal.


O fisco estadual argumentou que o indeferimento da isenção de IPVA e ICMS, em nível administrativo, se baseou na estrita observância da lei. Segundo o artigo 4º, da Lei 10.869/96, são isentos de impostos ‘‘os deficientes físicos e os paraplégicos, proprietários de veículos automotores, de uso terrestre e de fabricação nacional ou estrangeira, em relação ao veículo adaptado às necessidades de seu proprietário, em razão da deficiência física ou da paraplegia’’.
A juíza da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Porto Alegre entendeu que a limitação imposta na legislação estadual, para a concessão de isenção, estaria colocando o portador de doença grave numa condição inferior a do deficiente físico. Isso representaria um ‘‘caráter discriminatório vedado’’, já que penaliza mais aquele que, além de deficiente, é completamente dependente de terceiros para ter sua inclusão social.
Alessandra Abrão Bertoluci acrescentou que, mesmo não existindo menção na Lei acerca de isenção de impostos para compra de carros para deficientes que não possam dirigir, o sentido da norma é facilitar a locomoção ao portador de deficiência física ou doença grave. Assim, não é necessário que o beneficiário das isenções dirija o automóvel adquirido.
‘‘Ademais, a doença que é acometido o autor foi reconhecida pela União, tendo sido ele beneficiado com isenção de IPI, o que somente reforça a ilegalidade do fisco estadual’’, afirmou.
Isenção mantida
No TJ-RS, o desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, que relatou os recursos de Apelação em reexame necessário, endossou a decisão da juíza. Afirmou que o deficiente visual está inserido na condição de pessoa portadora de deficiência. Nesta linha, a legislação estadual não pode ser interpretada restritivamente, de maneira a excluí-lo deste benefício.
Difini disse que também não se pode negar a isenção pelo simples fato do veículo automotor ser dirigido por terceiro. Para corroborar este entendimento, citou voto do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, examinando caso semelhante em Minas Gerais, pedindo a isenção do IPI.
Escreveu Fux: ‘‘Sob essa ótica, a ratio legis (a razão da lei) do benefício fiscal conferido aos deficientes físicos indicia que indeferir requerimento formulado com o fim de adquirir um veículo para que outrem o dirija, à míngua de condições de adaptá-lo, afronta ao fim colimado pelo legislador ao aprovar a norma visando facilitar a locomoção de pessoa portadora de deficiência física, possibilitando-lhe a aquisição de veículo para seu uso, independentemente do pagamento do IPI. Consectariamente, revela-se inaceitável privar a Recorrente de um benefício legal que coadjuva às duas razões finais a motivos humanitários, posto de sabença que os deficientes físicos enfrentam inúmeras dificuldades, tais como o preconceito, a discriminação, a comiseração exagerada, acesso ao mercado de trabalho, os obstáculos físicos, constatações que conduziram à consagração das denominadas ações afirmativas, como esta que se pretende empreender’’.
Por fim, o relator registrou que a decisão adotada não implica em violação ao inciso II do artigo 111 do Código Tributário Nacional (CTN), ‘‘porquanto se trata apenas de agregar interpretação extensiva à legislação estadual sob a ótica constitucional’’. O entendimento foi acatado pelo desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal.
O presidente da 1ª Câmara Cível, Irineu Mariani, votou de modo diverso. Ele deu provimento à Apelação do Fisco. Destacou que a isenção do ICMS é exclusividade de quem precisa de adaptação especial do veículo para poder dirigir, conforme previsto no artigo 55, da Lei estadual 8.820/89. ‘‘O pressuposto é a necessidade de adaptação do veículo às necessidades do adquirente, a fim de que ele possa dirigi-lo, e não a simples compra de um veículo sem qualquer adaptação, a fim de que terceiro o dirija para o conforto da pessoa inválida’’, completou Mariani. A situação é idêntica no que se refere ao IPVA, conforme o artigo 4º., inciso VI, da Lei estadual 8.115/85.
“Se se concede a benesse à compra do veículo sem qualquer necessidade de adaptação às peculiares condições do adquirente, ele fica disponível ao uso de qualquer pessoa, e por aí enseja-se a indústria do ‘laranja’; isto é, compra em nome próprio, a fim de que outros utilizem normalmente o veículo, quiçá seja alugado”, advertiu o desembargador.

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