FUNÇÃO EXECUTIVA
Por Função Executiva, podemos compreender o conjunto de condutas de pensamento que permite a utilização de estratégias adequadas para se alcançar um objetivo. É "um conjunto de funções responsáveis por iniciar e desenvolver uma atividade com objetivo final determinado" (FUSTER, 1997).
Essa função se relaciona com a capacidade de antecipar, planificar, controlar impulsos, inibir respostas inadequadas, flexibilizar pensamento e ação. Todas essas capacidades são fundamentais e estão em uso sempre que se faz necessário agir diante de situações-problema, situações novas, na condução das relações sociais, no alcance de objetivos ou na satisfação de necessidades e alcance de propósitos, em diferentes contextos, sempre que esteja presente uma intenção, um objetivo ou uma necessidade a ser atendida.
A Função Executiva é o que permite, por exemplo, flexibilizar os modelos de conduta adquiridos pela experiência, para nos adaptarmos às variações existentes nas situações do presente.
Permite que possamos sincronizar nossas condutas em função de nossas intenções, considerando aspectos novos de cada momento e situação.
Utilizamos nossas capacidades relacionadas a essa função nas situações mais simples, como, por exemplo, para que possamos obter um copo de água em diferentes contextos. Essa função nos permite que não nos comportemos num ambiente formal, em um consultório médico, em um banco ou em uma reunião de trabalho, utilizando as mesmas estratégias que utilizamos em casa para matar a sede. Nossa conduta para esse fim será diferente em cada situação, e o impulso de simplesmente tomar para si o copo de água deverá ser inibido ou adiado, a depender da exigência do ambiente.
Também estão implicadas as mesmas capacidades quando adequamos nossos assuntos e maneiras em diferentes situações sociais. Adequamos nossa escolha de assuntos, de palavras, de atitudes, bem como adiamos ou deixamos de atender a impulsos para obter um fim social, como, por exemplo, ser bem aceito ou conquistar a amizade de alguém.
Para brincar com ambos os exemplos dados, podemos afirmar que está presente a Função Executiva se inibimos o impulso de nos servirmos de água, sem que nos seja oferecida, para parecermos bastante educados diante de uma pessoa da qual temos a intenção de nos aproximar.
Também poderíamos dizer que tal função está presente se aproveitamos o momento em que a pessoa da qual queremos nos aproximar serve-se de água, para iniciar uma conversação, pedindo para que nos sirva da mesma água, mesmo que não estejamos com sede.
No processo de aprendizagem, utilizamos sistematicamente a Função Executiva, já que se faz necessário utilizar as informações e procedimentos já aprendidos, adaptando-os às novas situações a serem resolvidas.
Hoje já está elucidado que a Função Executiva é característica do funcionamento dos lobos frontais.
Algumas características dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, presentes de forma mais típica no Autismo, são semelhantes aos déficits da função executiva presentes nas pessoas que possuem lesões dos lobos frontais.
Os aspectos semelhantes são: ansiedade diante de pequenas alterações no entorno, insistência em detalhes da rotina, condutas estereotipadas e repetitivas, interesse centrado em detalhes ou parte de informações de forma perseverante, dificuldade de perceber o todo e de integrar aspectos isolados.
Há evidências suficientemente consistentes para supor déficits da Função Executiva nas pessoas com autismo.
Segundo Goldman - Rakic (1987), as funções pré-frontais (lobos frontais e regiões corticais pré-frontais) estão implicadas no funcionamento tanto cognitivo quanto sócio-emocional.
Os lobos frontais têm várias funções: o planejamento da fala, dos atos motores, dos movimentos do corpo, o controle do humor, dos impulsos, das situações que envolvam as relações com o ambiente e das demais funções da vida de relação. Eles possibilitam a intencionalidade, a planificação e a organização da conduta.
O mais importante talvez, para nós educadores, é a perspectiva de compreender as manifestações das crianças com autismo por meio da Função Executiva. Isso porque, no desenvolvimento de todas as crianças que recebemos na escola, tal função encontra-se implicada, já que o aprendizado a ser desenvolvido ali se sustenta, em grande parte, no uso dela. Por outro lado, já que nossa atuação, mediante todas as crianças, como professores, está implicada no aprimoramento e ampliação de possibilidades de uso dessa função, essa compreensão é a interface que permite identificar possibilidades de atuação com nossos alunos com TGD.
O que Kanner e Eisenberg chamavam de insistência na invariância, ou seja, que as pessoas com autismo insistem na mesma rotina e reagem a variações, corresponderia ao conceito neuropsicológico de Função Executiva. A compreensão de que o autismo implica um transtorno da Função Executiva é, atualmente, uma das idéias centrais das investigações. Não significa uma simples troca de termos, mas trata-se de conceitos muito mais precisos do que aqueles utilizados por Kanner e Eisenberg.
A Função Executiva consiste em uma disposição adequada com o fim de alcançar um objetivo. Essa disposição pode implicar um ou vários aspectos:
A intenção de evitar ou adiar uma resposta (inibição do impulso de agir imediatamente sobre uma situação);
Um plano estratégico de ações seqüenciadas;
Uma representação mental da tarefa.
Na Função Executiva, portanto, está implicada a flexibilidade estratégica. Esta é a marca fundamental do funcionamento frontal tão desenvolvido no ser humano, pela necessidade de estratégias de caráter propositivo e dirigidas ao futuro.
A flexibilidade estratégica permite adiar, inibir, avançar ou retroceder para alcançar um propósito.
Em testes com tarefas de Função Executiva, os autistas demonstraram muita inflexibilidade.
Quando esses testes comparavam pessoas com autismo e com Transtorno de Asperger, evidenciou-se a presença de inflexibilidade em ambos, enquanto testes que envolviam tarefas de Teoria da Mente resultaram em diferenças (o conceito de Teoria da Mente será desenvolvido adiante).
Esses testes levaram os autores a supor que o transtorno da Função Executiva pode ser considerado como sendo o transtorno primário. O problema fundamental do autismo seria a inflexibilidade, sendo o restante explicável a partir desse problema. Assim, podemos entender, por exemplo, que as dificuldades no campo da relação social são decorrentes do fato de que, nesse campo, a flexibilidade se faz mais necessária do que em qualquer outro domínio mental.
A antecipação é uma importante função dos lobos frontais e se encontra prejudicada nas pessoas com TGD. Essa função pode estar alterada em diferentes níveis entre as pessoas com Espectro Autista e com TGD, mas todas apresentam algum prejuízo na antecipação. Esse prejuízo pode se manifestar pela aderência inflexível a estímulos que se repetem, como na reprodução do mesmo filme inúmeras vezes, no mesmo itinerário para a escola, na permanência dos objetos no ambiente, etc.
As estereotipias são um exemplo da manifestação do prejuízo na flexibilidade. Trata-se de estereotipias sensório-motoras: balançar o corpo, bater palmas, fazer e desfazer, ordenar e desordenar.
São rituais simples. Também podemos encontrar rituais mais elaborados, como apego a objetos que são carregados a todos os lugares, controle rigoroso de situações do ambiente ou da rotina e rígido perfeccionismo.
Outra característica do prejuízo na Função Executiva apresentada pelas pessoas com Espectro Autista é a dificuldade de dar sentido aos acontecimentos e às atividades. Para dar sentido é preciso antecipar, dar propósito, e isso tem a ver com a finalidade de algo. Na manifestação desse
prejuízo, encontramos pessoas que apresentam predominantemente atividades sem sentido, sem propósito, sem funcionalidade. Também encontramos aquelas que conseguem fazer atividades funcionais simples e breves, e outras que desenvolvem atividades funcionais e com autonomia, mas motivadas externamente.
A característica de prejuízo na reciprocidade social, descrita inicialmente como "extrema solidão", pode ser explicada pela inflexibilidade mental das pessoas com autismo, em decorrência do prejuízo da Função Executiva. A indiferença nas relações sociais tem a ver com o nível de exigência de flexibilidade nesse campo humano, tornando-o o campo de maior impossibilidade para algumas dessas pessoas. As relações sociais exigem antecipar, dar sentido, significados e ter propósitos. Mais do que isso implica no uso de símbolos, de sentidos múltiplos e no lidar com situações não antecipáveis. Nessa característica, também está implicada a Teoria da Mente, que será explicada a seguir.
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