terça-feira, 8 de maio de 2012

Como é a rotina de mulheres tetraplégicas que, contrariando tabus e preconceitos, optaram por alegrias e desafios da maternidade

A matéria a seguir foi extraída da Revista ISTO É Independente.

Por Paula Rocha

Flávia Cintra, 39 anos, mãe dos gêmeos Mariana e Mateus, 5 anos (Foto: Reprodução)
Flávia Cintra, 39 anos, mãe dos gêmeos Mariana e Mateus, 5 anos (Foto: Reprodução)  

Assim como muitas mulheres, a jornalista Flávia Cintra, 39 anos, tem uma agenda atribulada. Ela se divide entre dois empregos (é repórter do programa “Fantástico”, da Rede Globo, e também dá palestras em empresas), cuida da casa, arruma tempo para encontrar o namorado e ainda faz questão de buscar, todos os dias, os filhos gêmeos Mariana e Mateus, 5 anos, na escola. A rotina dessa paulistana típica pode ser considerada banal, exceto por um detalhe: Flávia é tetraplégica. Ferida gravemente em um acidente de carro em 1991, quando tinha 18 anos, a então jovem estudante perdeu os movimentos do pescoço para baixo por causa de uma lesão em sua coluna cervical. Após meses de fisioterapia, no entanto, acabou recuperando o domínio dos braços e hoje, apesar das limitações de locomoção, consegue levar uma vida muito ativa. “Lido com todos os desafios de uma mãe moderna. Ser cadeirante é apenas mais um”, diz Flávia.


A admirável história dessa tetramãe é contada no livro “Maria de Rodas – Delícias e Desafios na Maternidade de Mulheres Cadeirantes” (Editora Scortecci), que chega às livrarias nos próximos dias. Na obra, Flávia e outras mulheres com mobilidade reduzida contam como superaram tabus e preconceitos para realizar o desejo da maternidade. “É importante mostrar para as cadeirantes que é possível, sim, ser mãe”, diz Flávia, uma militante da causa. “Minha deficiência não interfere no meu papel de mãe, porque ser mãe não é uma condição física.” Separada, no dia a dia, Flávia acompanha as crianças em várias tarefas, e conta com a ajuda de duas assistentes em atividades que exigem mais mobilidade, como dar banho. Muitas pessoas, porém, perpetuam a errônea crença de que uma mulher tetraplégica não teria condições de criar uma criança. “Quando eu estava grávida, muita gente me olhava com espanto na rua, como se fosse um crime uma tetraplégica engravidar”, lembra Flávia.

Juliana Oliveira, 36 anos, mãe de Isa,  2 anos, e de Lis, 2 meses (Foto: Reprodução)
Juliana Oliveira, 36 anos, mãe de Isa, 2 anos, e de Lis, 2 meses (Foto: Reprodução)

Essas reações de assombro e desaprovação são bem conhecidas da publicitária carioca Juliana Oliveira, 36 anos. Tetraplégica desde os 22, quando sofreu um acidente de carro, ela decidiu ser mãe há três anos e logo que parou com o anticoncepcional engravidou naturalmente de Isa, que hoje tem 2 anos de idade. “Ter minha filha foi tão bom que, assim que ela nasceu, eu e meu marido já pensávamos em ter outro filho”, diz Juliana. A segunda gestação veio em 2011, e trouxe ao mundo a pequena Lis, de 2 meses. Apesar da alegria pela dupla maternidade, Juliana teve que lidar com comentários desagradáveis de desconhecidos e até mesmo de familiares. “Tem gente que me chama de louca porque escolhi ser mãe duas vezes, mas isso nunca me abalou”, diz Juliana, que tem uma rotina tão repleta de afazeres quanto Flávia. Funcionária pública e apresentadora de um programa sobre inclusão na TV Brasil, ela ainda coordena a casa, cuida das crianças e gosta de frequentar bares e a praia. “Mas conto com a ajuda do marido e de uma funcionária, claro.”


Do ponto de vista médico, a gravidez de uma tetramãe não é muito diferente da de uma mulher sem deficiência. “Só é preciso ter cuidado extra com a circulação, porque elas têm mais chance de desenvolver trombose, e com a bexiga, para evitar infecções urinárias”, diz Miriam Waligora, obstetra do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Pelo fato de partos de gestantes tetraplégicas serem tão raros, porém, a maioria dos médicos não sabe como lidar com essas pacientes. Na sociedade o desconhecimento é ainda maior. “Existe um mito de que as pessoas com deficiência são assexuadas, como se a limitação motora representasse necessariamente uma disfunção sexual”, diz Ana Claudia Bortolozzi Maia, professora-doutora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autora do livro “Inclusão e Sexualidade na Voz de Pessoas com Deficiência Física” (Editora Juruá). “O que a maioria da população não sabe é que os cadeirantes muitas vezes mantêm a sensibilidade e podem ter uma vida sexual plenamente satisfatória”, diz. No caso de Flávia e Juliana, além de desfrutar de uma rica vida amorosa e sexual, as duas optaram por aproveitar também as delícias da maternidade. “Antes de ser mãe, eu era viciada em trabalho. Hoje minha prioridade é a Mariana e o Mateus”, resume Flávia.

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